quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Entrevista com Peter Senge cedida à Janine Saponara da Lead Comunicação

"As empresas não são máquinas, mas seres vivos". Com esse conceito, lançado mais de uma década atrás, o guru norte-americano Peter Senge revolucionou o universo corporativo, oferecendo nova perspectiva com seu learning organization, a "organização que aprende”.

Como a presença dos seres humanos pode contribuir com a evolução das organizações?

Peter Senge – O que as organizações precisam, em todos os seus níveis, sem exceção, é criar um clima favorável para que as pessoas possam “sentir” como todo o ambiente está mudando. Tecnicamente, posso dizer que, cada dia mais, os colaboradores estão mais preparados para isso, porque têm vivido experiências das mais diversas e também há oportunidade de vivenciar papéis diferentes nas próprias organizações. Engenheiros e profissionais técnicos, por exemplo, estão mais atentos hoje às mudanças tecnológicas, através da própria tecnologia pela qual estão conectados. As equipes de venda, as de serviço, estão mais próximas das demandas de seus clientes. Sendo assim, o que as organizações precisam é criar ambientes propícios para o “sentir”, no sentido de possibilitarem o exercício da observação, reflexão e proposição de ações em nome da organização. Isto gerará um processo natural de evolução tanto para as pessoas quanto para a organização. Uns devem observar os outros. Lembremos que o avião não foi criado observando-se o trem de ferro.

Se os colaboradores de uma organização são egoístas e egocêntricas, esses sentimentos refletem na empresa?

Peter Senge – Acho que é sempre perigoso estereotipar as pessoas. Sempre que eu ouço dizer “as pessoas são...” não importa o que venha depois da palavra “são” eu dou um passo atrás, pois isso é estereotipar as pessoas. Mas quando me dizem que numa determinada organização as pessoas agem de determinada maneira, eu digo que posso ver que sim ou que não, pois posso ver as pessoas agindo com egoísmo ou de uma forma magnífica em nome de todos; posso ver as equipes agindo de diversas maneiras. É um interessante tipo de processo de você pensar o que muda quando passamos a descrever o que fazemos ao invés de descrever como somos. Isso é um processo técnico de inferência. Não vemos o “Somos”, só somos capazes de ver o que fazemos. Eu nunca sou capaz de ver o que o outro é , apenas o que o outro faz, em termos dos meus sentidos normais.

Como o Sr. avalia afirmações como: “tal organização é fechada” ou “aquela companhia é...”?

Peter Senge – Isso é categorização. Especificamente em relação a organizações, o jeito que as pessoas agem tem muito a ver com o contexto, os sinais, o ambiente, as expectativas, que estão presentes na organização; há muitos sinais envolvidos no contexto, há as tradições, os símbolos, o clima organizacional. Por exemplo: a mesma pessoa que age com muita subserviência a seu chefe na empresa, durante o final de semana é um líder na sua família, é um líder no seu time de futebol. Se pensarmos em como este ser humano “é”, nos perguntaremos como pode haver esta diferença tão grande? As pessoas agem de acordo com o ambiente onde estão, com o contexto. Eu acho que as organizações criam ambientes onde as pessoas agem com egoísmo e de maneira destrutiva da mesma forma que as organizações podem criar ambientes que trazem o melhor das pessoas e eu vejo também muitas organizações que tem a capacidade de trazer das pessoas só que elas têm de pior.

Como podemos ser conscientes de quem somos e de qual é a nossa missão neste mundo?

Peter Senge – Existem excelentes exemplos de como as organizações podem criar ambientes que estimulem a reflexão nas pessoas que ali trabalham. Isso, em parte, já significaria dizer para todos que trabalham naquela organização que eles devem se questionar sempre “o que este trabalho realmente significa para mim?”, “por que estou aqui?”, “por que este trabalho é importante para mim?” ou “por que este trabalho não é importante para mim?”. Eu ainda afirmo que se as organizações têm esta prática, elas alertam as pessoas para a generosidade, porque, se você mantém as pessoas atentas ao que realmente importa a elas, eu te garanto que dinheiro, status, elogios à minha pessoa, são apenas uma pequena parte. Eles são parte, porque é claro que eles importam para nós, representam como somos vistos pelo outro, no sentido de sermos reconhecidos, termos nossos feitos, nossos trabalhos, ações reconhecidas, percebidas pelos outros. Estaríamos brincando se falássemos que não nos importamos. Deve existir algumas poucas pessoas para quem não importa, mas para a maioria de nós, importa, mas a coisa mais importante é como as organizações criam um ambiente propícia para aquela qualidade de reflexão. Isso é parte do trabalho dos gestores de pessoas. Isto pode existir num conceito prático do trabalho também, quando um colaborador pode concluir que “esta parte do trabalho eu não acho que seja eficaz”. Normalmente o colaborador pronuncia estas frases apenas como queixas, nunca como constatações de que aquelas etapas não devem mais existir no processo.

O Sr. acha que um colaborador que não esteja no topo da pirâmide pode questionar os processos da organização?

Peter Senge – Depende do tipo de organização. Se a empresa faz somente aquilo que o chefe ou o board ordena, não. Porém, se a organização é inovadora, o cenário muda. A empresa que quer ver florescer novas idéias e processos melhores precisa a todos, mas a todos mesmo. Primeiro porque as pessoas do topo não são suficientes; segundo porque têm experiência limitada e terceiro porque têm contato limitado com os clientes.

É por este motivo o Sr. costuma dizer que as organizações dominadas apenas por pessoas do topo da pirâmide, não tem perspectiva de vida?

Peter Senge – Exatamente pela razão que as pessoas do topo têm um contato muito limitado com a realidade de todas as áreas da empresa e são as mudanças dessas áreas que determinam se uma organização se desenvolve e sobrevive ou não. Acabamos de ver um exemplo fantástico de uma companhia indiana de petróleo com mais de cem mil postos de gasolina que se deu conta que tratava muito mal seus frentistas, com baixos salários e mínimos benefícios . Mas eles são as pessoas que representam a companhia cara a cara com o cliente. Os clientes de uma companhia de petróleo nunca vão a uma refinaria! Este é um exemplo de um dos vários setores nos quais os líderes correm o risco de sofrerem de um ponto de vista equivocado, se ficarem com o seu ponto de vista e não com o ponto de vista das pessoas a quem eles servem. Esta empresa indiana viu que estava tratando os frentistas como se eles não importassem para o business e dando-lhes a chance de tratarem os clientes como se eles também não importassem e, por sua vez, oferecendo a estes a chance de estacionarem no posto de gasolina vizinho: o da concorrência!

Como as organizações aprendem?

Peter Senge – A idéia da organização que aprende é uma visão. Ela incorpora um tipo de ideal ao qual muitos aspiram. As pessoas nas organizações aprendem quando percebem que os ensinamentos têm significado no contexto do trabalho ou de suas vidas. Um uso prático. Uma maneira simples de dizer isso é: todo aprendizado acontece quando os aprendizes aprendem o que faz sentido para eles. Tenho certeza de que as organizações que aprendem encontrarão formas de nutrir e concentrar as capacidades que temos dentro de todos nós e que hoje chamamos de “extraordinárias”.

E como deve ser a atuação dos gestores de pessoas neste contexto?

Peter Senge – Infelizmente, no dia a dia das organizações, os RHs às vezes se esquecem dessa lógica. O RH, como área de atuação, pode estar muito mais relacionado com o treinamento, com a organização de programas de treinamentos para equipes. Isto é muito parecido com salas de aula, onde a tendência é que impere a antiga lógica do professor: “eu sei o que estes alunos precisam aprender” ao invés de “o que eles querem aprender?”

Então essa questão é um desafio para os gestores de pessoas?

Peter Senge – Enorme. Como trabalhar nas organizações para realmente implementar o aprendizado é mesmo um desafio muito grande para os profissionais de recursos humanos. Mesmo os que defendem o conceito da organização que aprende, os que têm um alinhamento e valores e sistemas dentro de suas organizações encontram dificuldades para estimular a implementação do aprendizado. Isto é um processo.

E qual seria o primeiro passo?

Peter Senge – Desistir de “dar aulas”. Pensar em apenas 10% ensinando e 90% aprendendo. Há que se ter um pouco de treinamento, é claro; quando há uma ferramenta nova, por exemplo.

Fonte: http://gestaocompessoas-vivianesouza.blogspot.com/2009/11/entrevista-de-peter-senge-sobre.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário